Educação e comunicação: um diálogo possível e necessário
Educadores e pais só têm a ganhar com a prática dos princípios da Educomunicação dela dentro e fora da escola
Melhorar a qualidade da educação do país é um sonho para muitos de nós. A formação do senso crítico das crianças e adolescentes faz parte desse processo, ainda mais hoje, com tantas informações disponíveis numa agilidade cada vez maior. O educomunicador é um profissional que pode acrescentar muito nesse processo! Para contar mais sobre esse campo e a sua relevância, conversamos com a jornalista e educomunicadora Raiane Lívia. Ela fez parte da primeira graduação de educomunicação no Brasil na UFCG. Nessa conversa, ela apresenta o campo, detalhando como o educomunicador pode atuar em conjunto com os professores.
Educação Adventista Sul: O que é a educomunicação?
Raiane Lívia: Mais do que uma nova palavra, Educomunicação é uma interface que trabalha como mediadora entre os campos da Comunicação e Educação. A verdade é que a Educomunicação não é uma prática tão nova, pois já era desenvolvida há mais tempo, porém ainda não havia uma consolidação e formação do conceito com mais precisão. Quando se faz mídia dentro da Escola (o jornal escolar, a rádio na escola, o uso das tecnologias) e na comunidade (os projetos de mídia para a comunidade, cinema, arte, rádios comunitárias), isso é Educomunicação. A área começou a ser desenvolvida na década de 80 na Europa, quando gestores culturais já utilizavam as práticas educomunicativas, denominadas por eles de Media Education. Essas práticas se tornaram mais fortes, por exemplo, na América Latina por meio do movimento Educação Popular. A Educomunicação então vem a ser mais aprofundada e discutida no ano de 1999, dentro do Núcleo de Comunicação e Educação (NCe) na Universidade de São Paulo (USP). As discussões criaram raízes, ramos e hoje temos frutos desse trabalho de pesquisa e prática espalhados pelo Brasil. Assim como, também, cursos de formação na área. Caso do bacharelado em Educomunicação na UFCG e a Licenciatura na USP, além de cursos de especialização em outras instituições pelo país.
Um dos pontos de destaque da Educomunicação é que ela não se importa apenas com o impacto das audiências, mas sim com a relação que os receptores têm com os meios de comunicação. Ela é um campo de pesquisa, reflexão e intervenção social, e os seus métodos se diferenciam tanto da educação escolar como da comunicação social. Ela é, portanto, um projeto de ação transdisciplinar, ou seja, que busca uma intercomunicação entre as disciplinas tratando de um tema comum, transversal. Ela quebra as fronteiras entre as disciplinas.
EAS: Qual a relevância desse campo de saber considerando o avanço das mídias e a facilidade do acesso à informação?
RL: Hoje nós podemos acompanhar uma aceleração do campo informacional na sociedade. Isso é uma característica forte no século 21. Agora, ainda mais, com os avanços tecnológicos, é quase incontrolável a velocidade que é repassada a informação, seja ela entretenimento ou a notícia corriqueira. Somos bombardeados pelas produções midiáticas de todos os lados, em formatos e linguagem diferentes. Uma coisa que aprendi ao estudar Educomunicação é que é preciso aprender a filtrar o que nos é passado. As pessoas não perderam seu senso crítico, não estamos lidando com audiências passivas, mas com seres pensantes. Quando estudamos a história da comunicação encontramos pensadores que achavam que a mídia era algo demoníaco tentando sugar nossos cérebros fazendo das pessoas robôs, mas isso não é verdade. Por isso que a Educomunicação entra como esse terceiro campo de pensamento, ela trabalha para que todos tenham acesso à informação de qualidade. Ela atua nos diversos meios da sociedade para que as pessoas saibam identificar o que é relevante para o seu crescimento como cidadão pensante e que sabe distinguir aquilo que é importante para sua vida. Além do mais, ela também serve para ensinar como as pessoas podem usar as ferramentas comunicacionais de maneira relevante tanto para seu crescimento pessoal ou para o auxílio da comunidade a qual pertencem. Não estamos falando da distinção do certo e errado, apenas, mas de uma análise mais crítica da informação.
EAS: Como é o trabalho de um educomunicador na prática?
RL: Ao contrário do que muitos possam imaginar, o educomunicador não realiza as produções, ele está lá para mediar e facilitar a realização delas. Ele articula e facilita para que os membros de determinada comunidade ou escola desenvolvam suas próprias produções midiáticas, de forma que essas pessoas possam parar e refletir sobre suas realidades. Ele elabora os projetos e leva a proposta para determinada rede escolar, comunidade, empresa, de maneira que isso possa ser desenvolvido por cada um desses grupos. A realidade de muitas dessas pessoas é quase sempre distante dos dispositivos de comunicação, ou têm uma visão funcionalista do meio. O educomunicador apresenta um outro universo, ele ensina sobre a função de cada ferramenta, apresentando alternativas mais viáveis, de fácil entendimento e manuseio e assim eles podem realizar até mesmo uma produção com baixo orçamento que vai fazer a diferença no espaço onde vivem. Além do mais, não há nada mais gratificante do que ver como o olhar deles muda em relação a sua consciência social. Isso é o mais importante para o trabalho do educomunicador.
EAS: Quais as diferenças do trabalho do educomunicador e do professor?
RL: O educomunicador não é um professor. Primeira diferença importante. Porque ele não está ali para desenvolver apenas habilidades pedagógicas, as quais o professor estudou para colocar em prática. O professor está focado na transmissão de conteúdo, repete fórmulas, sínteses e não estou dizendo que existe problema nesse método, porém a educomunicação vai muito além disso, como já discorremos um pouco aqui a respeito. A função do educomunicador é enfatizar o processo do aprendizado, para que, por meio dos recursos oferecidos pelas mídias, possa formar cidadãos críticos que compreendam o mundo a sua volta e assim estejam aptos a interferir na realidade social tornando-se um sujeito ativo e participativo na sociedade.
EAS: Como esses dois profissionais podem trabalhar juntos para dar aos alunos maiores condições de desenvolver a criticidade diante do volume de informações e opiniões a que todos nós estamos expostos?
RL: Acredito que a inserção desses profissionais nas escolas ainda é relevante. Assim como existem os coordenadores pedagógicos que dão orientação para o desenvolvimento das atividades escolares, corroborando um melhor aprendizado, o educomunicador seria aquele que trabalha para o melhor uso das mídias no âmbito escolar, auxiliando qual a forma mais eficaz de apresentar e utilizar esses meios no aprendizado dos alunos. Um exemplo claro de como a tecnologia ainda era vista pelos professores como um bicho de sete cabeças foi no período da pandemia da COVID 19, dois anos atrás. Escolas da rede privada ainda conseguiram encontrar meios para dar continuidade de maneira mais rápida a suas atividades escolares, de forma online, mas muitos professores da rede pública enfrentaram um problema enorme. Não estavam familiarizados com o uso das tecnologias e não tinham ideia de que métodos utilizar para que os alunos recebessem esse conteúdo mesmo a distância. Havia ali a barreira da falta de conhecimento das tecnologias e o fator social (alunos que não tinham acesso aos meios de comunicação, ou acesso à internet, entre outras realidades). Então, eu diria que o educomunicador pode auxiliar, muito, no desenvolvimento das práticas de comunicação, cultura e arte com os professores. Ajudar no desenvolvimento da transdisciplinaridade desses mestres, fazendo com que a aprendizagem se torne algo divertido, interessante e transcendente, não envolvendo apenas meramente decorar fórmulas, regras, datas, mas de ser algo que eles apliquem no seu dia a dia, que se reconheçam dentro do conteúdo que estão aprendendo que nele eles vejam a sua história. E com relação a comunicação, ele colabora para que professores ajudem os alunos a não serem apenas utilizadores dos recursos midiáticos, mas produtores de conteúdos relevantes, que aprendam a ter uma visão crítica sobre os meios.
EAS: O trabalho do educomunicador se concentra no ambiente escolar? Como é possível desenvolver projetos de educomunicação que alcancem as pessoas que já não estão mais na escola?
RL: Não. O trabalho do educomunicador ultrapassa os muros da escola. Até porque ele não é formado para trabalhar apenas em escolas. E o trabalho que ele desenvolve na escola também não deve ser feito para que só alcance os que estão ali dentro. A educomunicação pode ser trabalhada em ONGs, associações, secretarias de cultura, empresas, escolas, comunidades, ela está em constante movimento e acompanha as mudanças sociais. Onde for necessária uma intervenção social, ali vai estar a educomunicação. Uma empresa que queira desenvolver um projeto de intervenção social, porém não sabe como fazer isso de maneira eficaz, a educomunicação pode ser o auxílio dessa ação. Uma comunidade que precisa levar perspectiva de uma vida mais digna, ali a educomunicação pode entrar. Isso podemos ver em muitos trabalhos que as ONGs desenvolvem, também associações comunitárias. A educomunicação também trabalha com a preservação da cultura. Ela auxilia na preservação das nossas raízes, leva conscientização para a sociedade de como é importante conhecer sua origem e história e preservá-la, pois isso faz parte, de uma certa maneira, da sua identidade, da identidade do seu povo. Com isso, automaticamente não estamos mexendo apenas com pessoas que estão na escola, pois ela não se enquadra apenas no ambiente escolar, ela não trabalha apenas com o meio pedagógico, mas ela usa uma pedagogia libertadora para ajudar a outros, levando a eles o conhecimento por meio da educação e das ferramentas da comunicação.
EAS: Que princípios da educomunicação podem ser praticados pela família ao lidar com as crianças no dia a dia?
RL: Acho que os pais deveriam também ser facilitadores para seus filhos. Dar acesso à informação para a criança não é só dar condições de que eles possuam todos os meios tecnológicos, ou possam ter uma infinidade de canais ao seu dispor, mas estar consciente do que elas estão consumindo. Os meios de comunicação e aparatos tecnológicos não são babás eletrônicas. Crianças e adolescentes são seres pensantes, eles estão atentos a tudo que os cercam. O caráter delas está sendo moldado por aquilo que observam. Se elas são deixadas à própria interpretação daquilo que estão consumindo, sem uma mediação prévia ou pós do conteúdo, elas vão assimilar aquilo que acham importante ou interessante, com base na observação do ambiente familiar, escolar e social que estão inseridas e achar que aquilo é real e verdadeiro.
Um diálogo constante com as crianças sobre o que pensam sobre determinado assunto, sobre o que consumiram nas redes, televisão e internet durante o dia seria um passo importante para formar um senso crítico nelas desde então. Ao invés de vetar bruscamente um determinado conteúdo, é preciso conhecer o que ela está consumindo. A criança é questionadora por natureza, sempre vai perguntar por que não pode ver determinada coisa. Por isso não traga explicações rasas, seja consistente nos seus argumentos. Se elas gostam de produzir conteúdo para as redes sociais, por exemplo, ajude-a na produção de coisas relevantes. As mídias não são um inimigo se usadas da forma correta. Desenvolva atividades lúdicas sobre o que elas gostam de assistir, como desenhos, pintura, a arte é um instrumento para dar asas à imaginação. E o mais importante, seja presente. Seja o parceiro do consumo de conteúdo delas, sempre que preciso, converse, comente, debata. Isso é muito importante para o crescimento crítico.
EAS: O que podemos ganhar como sociedade com o avanço desse campo do saber no Brasil?
RL: Quando eu estava no segundo ano do curso de educomunicação, eu ouvi muitos dos meus colegas desistirem por medo da escassez dessa área no mercado de trabalho e por ser um conceito muito utópico. E eu tive medo, também. Porém eu já estava no meio do caminho, não podia desistir naquele momento. Embora atualmente não trabalhe diretamente com a educomunicação mais, procuro sempre lembrar dos seus conceitos no meu trabalho como jornalista. Ela moldou a minha visão no campo da comunicação e da educação. Assim como serviu de quadro para eu poder visualizar com mais clareza a sociedade ao meu redor. Eu sou uma educomunicadora no coração. Esse campo nos conscientiza do nosso papel como cidadãos. Você não é mais uma peça controlada pelo sistema, você é um ser que pensa e age conforme aquilo que seja melhor para o seu próximo e para a sociedade em que vive. Cada projeto que é desenvolvido pensando em trazer melhorias para uma comunidade, para a cultura, para a sociedade tem como objetivo transformar aquele pedaço de mundo no qual você está inserido. Seja dentro da sua casa, da escola, do seu bairro, você pode ser um agente transformador. Parece utopia, inalcançável quando você acha que para que algo dê certo precise transformar o mundo todo logo de uma vez. Mas quando você começa a transformar o seu mundo, já é um grande passo dado e é isso que o nosso país precisa. Pessoas que fazem pequenas ações e que causam impacto começando primeiro dentro da sua realidade. Por isso que o avanço desse campo é tão importante para o Brasil.
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